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Os Primeiros Desafios como Ministra do Planejamento

Após uma expressiva campanha presidencial em 2022, Simone Tebet assumiu o desafio de liderar o Ministério do Planejamento no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O convite para compor o ministério representou não apenas um reconhecimento de sua competência técnica e capacidade política, mas também um movimento estratégico para a construção de uma base de apoio mais ampla ao governo. Neste artigo, analisamos os primeiros meses de Tebet à frente da pasta, os desafios enfrentados e as perspectivas para sua gestão em um contexto econômico e fiscal desafiador.

A recriação do Ministério e o contexto da nomeação

O Ministério do Planejamento foi recriado no início do terceiro governo Lula, após ter sido fundido com o Ministério da Economia durante a gestão anterior. Essa separação representou uma mudança significativa na arquitetura institucional do governo federal, sinalizando a intenção de dar maior ênfase ao planejamento estratégico de médio e longo prazo.

A nomeação de Simone Tebet para comandar a pasta foi anunciada em dezembro de 2022, após intensas negociações que se seguiram ao segundo turno das eleições presidenciais. Tendo obtido quase 5 milhões de votos no primeiro turno e declarado apoio a Lula no segundo, Tebet emergiu como uma figura capaz de simbolizar a ampliação da base política do novo governo, para além de suas fronteiras partidárias tradicionais.

"Assumo o Ministério do Planejamento com o compromisso de reconstruir o Brasil com responsabilidade fiscal e sensibilidade social. Não são objetivos antagônicos, mas complementares. Um país justo precisa de contas equilibradas para sustentar políticas públicas eficientes." — Simone Tebet, em seu discurso de posse

Reestruturando a máquina: os primeiros movimentos

Os primeiros meses de Tebet no ministério foram dedicados à reestruturação da pasta, que precisou ser praticamente reconstruída após o período em que esteve fundida ao Ministério da Economia. Este trabalho envolveu desde aspectos administrativos e de pessoal até a redefinição de competências e atribuições em relação a outros ministérios, especialmente o da Fazenda, comandado por Fernando Haddad.

Uma das primeiras medidas foi a reorganização da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), órgão estratégico para a coordenação do processo orçamentário no governo federal. Tebet também trabalhou na recomposição das equipes técnicas, buscando um equilíbrio entre servidores de carreira experientes e novos talentos capazes de trazer perspectivas inovadoras para a gestão pública.

Outro movimento importante foi a reaproximação com órgãos como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que ficaram sob a supervisão do Ministério do Planejamento. Tebet anunciou planos para fortalecer essas instituições, reconhecendo seu papel fundamental na produção de dados e análises que embasam a formulação de políticas públicas.

Novidades na estrutura

Uma das inovações trazidas por Tebet foi a criação da Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, com o objetivo de desenvolver metodologias para avaliar a eficiência e o impacto dos programas governamentais, contribuindo para a melhor alocação de recursos públicos.

O desafio fiscal: equilibrando demandas sociais e sustentabilidade das contas públicas

Um dos maiores desafios enfrentados por Simone Tebet nos primeiros meses como ministra foi encontrar o equilíbrio entre atender às demandas sociais urgentes do país e garantir a sustentabilidade fiscal. O governo assumiu em um contexto de pressão por aumento de gastos públicos, especialmente em áreas como saúde, educação e programas sociais, após anos de contenção orçamentária.

Tebet posicionou-se como uma voz de moderação dentro do governo, defendendo a importância da responsabilidade fiscal mesmo enquanto advogava por investimentos sociais. Essa postura colocou-a ocasionalmente em rota de tensão com alas do governo mais inclinadas à expansão de gastos, mas também lhe conferiu credibilidade junto ao mercado financeiro e a setores econômicos.

Um marco importante foi sua participação na elaboração do novo arcabouço fiscal, anunciado em março de 2023 para substituir o teto de gastos. Tebet defendeu regras que permitissem o crescimento real das despesas, mas com limites claros vinculados à evolução da receita, buscando um modelo que conciliasse a necessidade de investimentos com o compromisso de estabilização da dívida pública no médio prazo.

"Não podemos repetir erros do passado, quando gastamos além das nossas possibilidades e criamos problemas maiores para o futuro. Por outro lado, não se constrói um país justo apenas com austeridade. Precisamos de um caminho do meio: responsabilidade com o dinheiro público e sensibilidade para as necessidades da população." — Simone Tebet, em audiência na Comissão de Finanças da Câmara

A elaboração do PPA: planejamento de médio prazo para o Brasil

Um dos trabalhos mais importantes liderados por Tebet em seus primeiros meses como ministra foi a elaboração do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, instrumento previsto na Constituição que estabelece diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para um período de quatro anos.

Tebet imprimiu sua marca ao processo, introduzindo inovações metodológicas e buscando ampliar a participação social na construção do plano. Foram realizadas plenárias regionais em todos os estados brasileiros, além de consultas online, para coletar sugestões e prioridades da população para o planejamento governamental.

Outro destaque foi a ênfase na integração entre o PPA e a agenda de desenvolvimento sustentável, com a incorporação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU como referência para o planejamento das políticas públicas brasileiras. Essa abordagem reforçou o compromisso do Brasil com metas globais relacionadas a temas como erradicação da pobreza, igualdade de gênero, ação climática e redução das desigualdades.

Participação recorde

O processo de elaboração do PPA 2024-2027 contou com a participação de mais de 1,5 milhão de brasileiros através de plataformas digitais e plenárias presenciais, o que representou o maior engajamento da sociedade civil na história dos planos plurianuais no Brasil.

A revisão de gastos: eficiência e qualidade do gasto público

Um dos projetos mais ambiciosos anunciados por Tebet foi a institucionalização de um sistema permanente de revisão de gastos públicos, inspirado em experiências internacionais bem-sucedidas. A iniciativa visa identificar programas ineficientes, sobreposições e oportunidades de melhoria na alocação dos recursos públicos.

Para implementar esse trabalho, a ministra montou uma equipe técnica especializada e estabeleceu parcerias com organismos internacionais como o Banco Mundial e a OCDE, que possuem experiência na avaliação da qualidade do gasto público em diversos países.

As primeiras revisões focaram em áreas como benefícios previdenciários, programas de transferência de renda e subsídios setoriais. Tebet enfatizou que o objetivo não era simplesmente cortar gastos, mas garantir que os recursos fossem direcionados para quem realmente precisa e para programas com resultados comprovados.

Essa abordagem representou uma mudança significativa na cultura orçamentária brasileira, tradicionalmente marcada pela inércia e pela dificuldade em reavaliar programas já estabelecidos. A ministra defendeu a necessidade de superar resistências burocráticas e corporativas para implementar uma gestão mais eficiente e orientada a resultados.

A relação com o Congresso: construindo pontes

Com sua experiência como senadora e o conhecimento aprofundado do funcionamento do Legislativo, Simone Tebet tornou-se uma articuladora importante do governo junto ao Congresso Nacional, especialmente em temas relacionados ao orçamento e às reformas econômicas.

A ministra manteve diálogo constante com parlamentares de diferentes partidos, participando de audiências públicas e reuniões com lideranças das duas casas. Sua capacidade de comunicação e seu perfil técnico-político contribuíram para facilitar negociações em temas sensíveis, como a reforma tributária e as medidas de ajuste fiscal.

No entanto, esse papel também trouxe desafios. Em algumas ocasiões, Tebet precisou defender posições do governo que não necessariamente refletiam suas próprias convicções anteriores, evidenciando as complexidades de sua transição de parlamentar independente para membro de um governo de coalizão.

"O diálogo é a única ferramenta capaz de construir consensos em uma democracia. Podemos ter visões diferentes sobre os caminhos, mas precisamos concordar sobre o destino: um Brasil mais próspero, menos desigual e com oportunidades para todos." — Simone Tebet, após reunião com líderes parlamentares

Relação com a equipe econômica: complementaridade e tensões

A relação entre o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda é tradicionalmente marcada por uma mistura de complementaridade e tensão, dado que o primeiro tende a priorizar o planejamento e os investimentos, enquanto o segundo frequentemente enfatiza o controle de gastos e a estabilidade econômica.

No caso da gestão Tebet, o relacionamento com o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, foi construído com base no diálogo constante e na busca por convergências, apesar das diferenças de perspectiva que ocasionalmente surgiram. Observadores do governo destacam que a ministra conseguiu estabelecer um espaço próprio de atuação, sem se subordinar completamente à agenda da Fazenda, mas também sem criar conflitos desnecessários.

Um exemplo dessa dinâmica foi observado nas discussões sobre o novo arcabouço fiscal, quando Tebet defendeu a inclusão de mecanismos anticíclicos que permitissem maior flexibilidade em momentos de crise econômica, enquanto a equipe da Fazenda inicialmente propunha regras mais rígidas. O resultado final incorporou elementos das duas visões, demonstrando a capacidade de construção de consensos.

Junta de Execução Orçamentária

Um espaço importante de articulação entre os ministérios econômicos é a Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado que reúne os ministros do Planejamento, Fazenda, Casa Civil e Gestão para discutir e decidir sobre a execução do orçamento federal. Neste fórum, Tebet tem defendido uma abordagem que equilibre controle de gastos com a preservação de investimentos estratégicos.

A agenda de reformas estruturais

Para além da gestão cotidiana do ministério, Simone Tebet envolveu-se ativamente na agenda de reformas estruturais do governo, com destaque para a reforma tributária e as propostas de modernização do Estado brasileiro.

Na reforma tributária, aprovada em primeiro turno pela Câmara em julho de 2023, Tebet teve papel relevante nas articulações políticas e no desenho técnico da proposta. Sua experiência anterior como relatora de matérias econômicas no Senado foi um diferencial nas negociações com parlamentares e representantes de setores econômicos.

A ministra também liderou discussões sobre a reforma administrativa, defendendo uma abordagem que modernize a gestão pública e aumente sua eficiência, sem necessariamente reduzir direitos já adquiridos pelos servidores. Sua proposta é focar em aspectos como a digitalização de serviços, a simplificação de processos e a gestão por resultados.

Outra frente importante foi a agenda de concessões e parcerias público-privadas (PPPs), vista por Tebet como estratégica para viabilizar investimentos em infraestrutura em um contexto de restrição fiscal. O Ministério do Planejamento trabalhou na estruturação de uma nova modelagem para esses projetos, buscando torná-los mais atrativos para investidores e mais benéficos para a população.

A dimensão de gênero: desafios e conquistas

Como uma das poucas mulheres a ocupar posições de liderança na área econômica do governo, Simone Tebet enfrentou desafios adicionais relacionados a estereótipos de gênero e ao machismo que ainda permeia ambientes tradicionalmente dominados por homens.

Em diversas ocasiões, a ministra precisou reafirmar sua competência técnica e sua autoridade frente a questionamentos que dificilmente seriam dirigidos a ministros homens. Ao mesmo tempo, utilizou sua posição para defender maior participação feminina em cargos de liderança e para incorporar a perspectiva de gênero no planejamento orçamentário.

Uma das iniciativas nesse sentido foi a criação de um grupo de trabalho específico para desenvolver metodologias de "orçamento sensível a gênero", que permitem identificar como as alocações orçamentárias impactam diferentemente homens e mulheres e ajustar políticas públicas para reduzir desigualdades.

"Não basta ter mulheres em cargos de poder se isso não se traduz em políticas que transformem a realidade de todas as mulheres. Estamos trabalhando para que o orçamento público reconheça e enfrente as desigualdades de gênero que ainda persistem em nossa sociedade." — Simone Tebet, em evento sobre liderança feminina

A emergência climática: planejamento para a sustentabilidade

A questão ambiental ganhou destaque na gestão de Tebet no Ministério do Planejamento, refletindo tanto o posicionamento pessoal da ministra quanto a prioridade dada pelo governo Lula ao tema, especialmente após o Brasil retomar protagonismo nas discussões internacionais sobre mudanças climáticas.

Uma das iniciativas mais importantes nessa área foi a inclusão de critérios ambientais na avaliação e seleção de projetos de investimento público, criando incentivos para tecnologias e soluções de baixo carbono. O ministério também desenvolveu metodologias para identificar e mensurar gastos relacionados à adaptação e mitigação das mudanças climáticas no orçamento federal.

Tebet participou ativamente das discussões sobre o Plano de Transformação Ecológica, coordenado pelo Ministério da Fazenda, defendendo a importância de integrar as dimensões ambiental, social e econômica no planejamento governamental. Sua visão é que a transição para uma economia mais sustentável representa não apenas uma necessidade ambiental, mas também uma oportunidade de desenvolvimento e geração de empregos qualificados.

Planejamento territorial

O ministério retomou o planejamento territorial integrado, com especial atenção para a Amazônia, desenvolvendo estratégias que combinem conservação ambiental com desenvolvimento econômico sustentável para as populações locais.

A transformação digital do governo

A transformação digital da administração pública emergiu como uma das prioridades da gestão Tebet no Ministério do Planejamento. A ministra defendeu que a digitalização de serviços e processos representa não apenas uma oportunidade de redução de custos, mas principalmente de melhoria na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.

Um dos projetos nessa área foi a criação do Portal Único de Planejamento, plataforma que integra informações sobre programas governamentais, execução orçamentária e resultados de políticas públicas, aumentando a transparência e facilitando o acompanhamento pela sociedade.

O ministério também investiu no desenvolvimento de capacidades analíticas avançadas, com a utilização de ciência de dados e inteligência artificial para aprimorar o planejamento governamental. Foram estabelecidas parcerias com universidades e centros de pesquisa para desenvolver soluções inovadoras aplicadas à gestão pública.

Outra frente importante foi a simplificação de procedimentos burocráticos através da digitalização, com ênfase na melhoria da experiência do cidadão ao acessar serviços públicos. Tebet defendeu a necessidade de um governo mais ágil, responsivo e centrado nas necessidades da população.

Desafios futuros e perspectivas

Após seus primeiros meses à frente do Ministério do Planejamento, Simone Tebet enfrenta o desafio de consolidar as iniciativas lançadas e ampliar seu impacto na transformação da administração pública brasileira. Entre os principais desafios para o futuro próximo estão:

A implementação efetiva do novo arcabouço fiscal, garantindo que as regras estabelecidas sejam respeitadas e que o equilíbrio entre responsabilidade fiscal e atendimento às demandas sociais seja mantido.

A institucionalização do sistema de revisão de gastos, superando resistências e criando uma cultura permanente de avaliação e melhoria da qualidade do gasto público.

O fortalecimento do planejamento de longo prazo, desenvolvendo visões estratégicas para o Brasil nas próximas décadas que possam orientar decisões de investimento e políticas públicas para além dos ciclos políticos de quatro anos.

A integração efetiva entre planejamento e orçamento, garantindo que as prioridades definidas nos instrumentos de planejamento se traduzam em alocações orçamentárias correspondentes.

"O Brasil tem todas as condições para dar um salto de desenvolvimento nos próximos anos, combinando crescimento econômico, sustentabilidade ambiental e redução das desigualdades. O papel do Ministério do Planejamento é ajudar a construir esse caminho, com base em evidências, diálogo e visão estratégica." — Simone Tebet, em entrevista ao jornal Valor Econômico

Conclusão: um novo capítulo na trajetória de Tebet

A experiência de Simone Tebet como Ministra do Planejamento representa um novo e desafiador capítulo em sua trajetória política. Após passar por cargos legislativos e executivos em nível municipal e estadual, e depois de uma expressiva campanha presidencial, ela agora tem a oportunidade de influenciar diretamente os rumos do país a partir de uma posição estratégica no governo federal.

Os primeiros meses de sua gestão indicam uma abordagem que busca equilibrar a técnica e a política, a responsabilidade fiscal e a sensibilidade social, a visão de curto prazo e o planejamento estratégico. Esse posicionamento ao centro, característico de sua trajetória política, tem sido um diferencial em um ambiente muitas vezes marcado por polarizações.

Para além dos resultados concretos de sua gestão no ministério, que só poderão ser plenamente avaliados com o passar do tempo, a presença de Tebet no núcleo econômico do governo representa um simbolismo importante: o de uma mulher com voz ativa nas decisões econômicas mais relevantes do país, um espaço historicamente dominado por homens.

O sucesso de sua atuação como ministra não apenas impactará o funcionamento da administração pública brasileira, mas também poderá fortalecer ainda mais sua posição como uma liderança política nacional com horizonte de longo prazo. Se conseguir implementar as mudanças que defende e contribuir para resultados positivos na economia e na gestão pública, Tebet poderá consolidar-se como uma das vozes mais influentes da política brasileira contemporânea.